sábado, 12 de novembro de 2011

O país do futebol e a política do pão e circo.

Durante cerca de 7 séculos um dos principais divertimentos no Império romano foi o espetáculo de gladiadores do Coliseu, lutas sangrentas que terminavam quase sempre com apenas um vivo.
Esse período foi conhecido como o da política do pão e circo, dado que as lutas, realizadas entre escravos treinados, divertiam a todo o império e distraíam a plebe quanto a dureza de suas vidas, sem possibilidade de ascensão social e política, e com péssimas condições de saúde e higiene, em contradição com um império riquíssimo, que despendia fortunas afim de alimentar exércitos e o luxo da nobreza.
Longe da velha bota européia, pouco mais de um milênio depois do declínio do circo romano, o Brasil ainda não tinha nome para os europeus, e esse tempo, de certo, foi suficiente para os nossos ancestrais se multiplicarem por aqui em várias tribos, diversas culturas, línguas, até sermos descobertos; massacrados e pilhados pelos colonizadores.
Sucederam-se formas de governo, políticas, massacres, populismo, ditadura, enfim. Tudo o que a história moderna nos conta até hoje.
E chegamos a 2011 como a oitava economia do mundo, mas ainda com fome, sedentos de igualdade e com muitos irmãos vivendo na miséria absoluta.
O que isso tem a ver com o Império romano? Nada. Exceto que vivemos também uma visionária política de "pão e circo", o nosso coliseu é gramado e não requer mortes( menos mal...), não se usa espadas, nem armaduras; é apenas bola e chuteiras.
O universo do futebol é tão encantador que tem o poder de arrebatar milhões de fanáticos, entretêm 100, 200 milhões de súditos por uma hora e quarenta e cinco minutos, e rende conversas e manchetes de jornais até o próximo round do espetáculo.
É tão massificante o esporte, que, nossos políticos se deram um aumento desproporcional em maio de 2006, pouco antes da Copa da África, e poucos souberam, pela rede Globo ninguém soube.
Se hoje você perguntar a um menino de 8 anos se ele quer ser o Neymar ou médico: Neymar. E olha que disse médico, porque se a pergunta for advogado, pesquisador, professor, aí ele chora e chama a mãe.
É o glamour, evidente, mas não só.
Quantias astronômicas de dinheiro são pagas aos artistas da bola, some ainda a renda com publicidade.
Clubes devem fortunas a União em impostos e o governo, mal-logrado em recebê-las, cria jogos lotéricos para sanar os débitos. Paga-se o jogo com jogo, e o jogo todo é pago pelos milhões de trabalhadores sem glamour, que cumprem com as suas carregadas obrigações em impostos mil, e mais, com a visita aos estádios, consumo de produtos patrocinados e uniformes.
Na política do pão e circo, poucos sabem o que faz o político que elegeram, mas a maioria sabe da vida noturna dos ídolos de seus times, quase ninguém conhece as artimanhas mil do congresso, mas sabe todos os pontos de seu time no campeonato, e vida que segue com as conversas políticas se resumindo a um lamento curto e as futebolísticas a intermináveis palestras sobre táticas e possibilidades matemáticas.
Certa vez li em algum lugar que o futebol é o "matrix" do povo, onde nos desconectamos da vida real para usufruir do prazer de torcer por nosso time. Mas o nosso "matrix" vem falhando, porque termina o nosso coliseu e continuamos envoltos na névoa do descaso para com a vida real.
Governos vão e vem, e nós assistimos o jogo apenas como espectadores, votos e títulos são computados e o trabalhador continua sua marcha pelo sustento, para completar a política do pão e circo, dessa vez para garantir o pão de cada dia.
Eu também gosto de futebol, nunca me excluí de nada que escrevi, não tenho essa pretensão. Mas a cada dia que passa o nosso rico país caminha para um futuro econômico e político cada vez mais importante no cenário global, e esse caminhar solicita cada vez mais cidadãos conscientes e engajados, para que o bolo, que cresce mais nos últimos anos, não continue saciando com sobras a fome de uns poucos e destilando migalhas para a grande maioria da população brasileira.
A dois mil anos atrás, os gladiadores romanos entravam no coliseu e, de cabeça baixa, diziam ao imperador: " Ave César, morituri te salutant" - que significa : "Ave César, os que estão a ponto de morrer te saúdam" . Hoje, no Brasil, certamente milhares de pessoas dizem a mesma coisa inconscientemente quando começa o espetáculo da bola, com as despensas e bolsos vazios, e a vida ruindo em miséria cotidiana, mas ansiosos pelo espetáculo. Nós temos muitos imperadores, que sabendo do conformismo de seu povo, seguem saqueando os cofres públicos e garantindo que a nova nobreza siga feliz em seus iates e jatinhos. Então eles também, inconscientemente ou não, agradecem a nossa servidão velada e trabalham para que o circo não pare.
Afinal, o espetáculo não pode parar.
Ave Cesar. . .

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