sábado, 21 de maio de 2011

Subir na vida

Vivendo entre as lutas inerentes à nossa existência , achamo-nos de repente insatisfeitos com algo ou tudo o que temos e somos, estamos embaixo, onde o sol queima quando há trabalho e a chuva castiga no descanso... estamos de pés no chão, no campo; entre a ferocidade da multidão e a natureza bruta a nos convidar ao trabalho. O mundo fica cinza para quem não encontra nele a paz necessária, e é nesse momento que avistamos a montanha. É uma escalada enorme até o cume, onde muito poucos conseguem chegar, mas estamos certos que o caminho para a quietude é subir, subir a vida afastando-a de tantas lutas desiguais do baixio onde nos encontramos.

Durante muito tempo permanecemos ao pé da montanha,e passando a objetivar a subida, a única visão que temos é a do topo .

Olhamos para frente e vislumbramos o momento da chegada, a cada passo, cada pedra, cada queda, o que nos impulsiona é chegar ao cume. Seguimos a escalada íngreme sem sequer pensar em voltar, resistimos ao frio, à dor e à incerteza resolutos. Seremos capazes de chegar, vamos chegar lá!

Seguem-se dias e noites e durante a caminhada deparamo-nos com as árvores e flores da subida, canto de pássaros e raios de sol. Mas é longa a subida e, dia após dia, toda essa beleza já nos é indiferente. Já não sentimos a brisa a tocar-nos a face, não sorrimos para o que é belo, nossos olhos só enxergam o que buscamos lá em cima, no topo da montanha. Afastamo-nos cada vez mais desse mundo que sempre nos cobrou toda a energia em lutas de sobrevivência, isso não faz parte de nós mais, porque estamos trilhando novos rumos, um caminho menos acidentado.

E um dia, após muita caminhada e esforço lá estamos, no topo,finalmente! É a chegada tão esperada, galgamos o último degrau de nossas ambições! Abrimos mão de muitas coisas para esta chegada e ela enfim se apresentou.

Agora, do alto da montanha, já não olhamos mais para o alto, porque supomos nada haver para olhar. Este é o ponto final do caminho que traçamos lá de baixo, onde as lutas e dificuldades já não nos motivavam.

Estamos enfim onde queríamos, mas de lá, só podemos olhar para baixo, de onde viemos.

Lá estão nossas lembranças, todo nosso suor marcado em lutas que já se findaram, amigos e pessoas amadas em lutas que ainda persistem e todo o cabedal de nossas experiências.

Percebemos, enfim, que pássaros não cantam no cume porque é frio e inóspito, árvores não crescem ali e a natureza é diminuta. Ora, estamos no topo, o tão desejado patamar mais alto das conquistas! Mas algo não está certo, agora que chegamos só olhamos para baixo; percebemos que tudo o que faz sentido para nós ficou lá, tudo o que vivemos, aprendemos, rimos e choramos, toda a esperança e a falta dela, todo o amor e o contrário; e então, com sobriedade e de alguma maneira decepcionados percebemos que, talvez o único caminho seja descer.

Vemos que o que buscávamos não está ali, que talvez nem buscássemos nada, ou que realmente encontramos o significado de nada. Nada existe, e é assustador! - Passamos a maior parte da vida exatamente atrás dele! O topo não nos completava e a felicidade que tanto queríamos não estava ali. Dali víamos meio mundo, estávamos longe de toda a dor da luta, de todo o cansaço mas não havia nada que importasse realmente naquele ponto alto do mundo.

Nessa posição no entanto, diferente de antes, havíamos mudado nosso ponto de vista e junto dele nosso modo de reflexão, tudo agora parecia mais evidente:

O que importa mesmo nunca sequer olhamos, se olhamos não percebemos e se percebemos ignoramos. Ali em cima, no topo do mundo, onde tanto tempo esperamos encontrar o que nos faltava, era onde estávamos mais sozinhos e incompletos.

Então nesse momento começamos a descer, porque percebemos que o que dá sentido a vida não é o quê, e sim por que. Não precisamos de tudo que não temos, na verdade de quase nada.

Precisamos sim é aprender a perceber tudo o que temos e como isso nos faz falta. Não precisamos traçar objetivos cartesianos para encontrar a felicidade, porque para tal é preciso apenas uma curva para olhar dentro de nós mesmos e a percepção de que tudo o que buscamos está ali, tudo o que de fato é necessário encontramos ali e o restante todo deve começar justamente dali. Dentro de nós mesmos.

M.R.Lim .